domingo, 19 de maio de 2013

A Obra de Enrico Ferri - Discurso de Defesa (Algumas passagens interessantes)


Enrico Ferri foi advogado criminalista, professor de Direito Penal, escritor e fundador, com Lombroso e Garofalo, da chamada Escola Positiva (criminologia moderna, com suas obras: A imputabilidade humana e a negação do livre arbítrio e Sociologia criminal (1884); Socialismo e Ciência Positiva (1894); Escola Positiva e Criminologia (1901); Sociologia Criminal (1905). Enrico Ferri nasceu em San Benedetto, Po, em 1856, e faleceu em Roma, em 1929.




Escolhemos para este blog, o livro Discursos de Defesa, de Enrico Ferri, que está dividido em três discursos: a) Amor e morte; b) Um caso de homicídio; c) Letras falsas. Lendo-se apenas o discurso Amor e Morte vê-se a faceta do grande orador do júri, que, com o poder mágico do seu verbo ardente, como diz Fernando de Miranda, subjugava, convencia e arrastava os auditórios, obtendo assim triunfos extraordinários em quase todos os Tribunais Criminais do seu país. Ferri foi também escritor consagrado, cujos textos tornaram-no célebre em todo o mundo, qualidade literária que pode ser aferida nos seus discursos de defesa e de acusação, pequena monografia, na forma de discursos forenses.

O primeiro discurso, que compõe Discursos de Defesa, qual seja, Amor e Morte, foi escrito por Ferri para a defesa de Carlos Cienfuegos, assassino da condessa Hamilton, e foi por ele pronunciado no Tribunal Criminal de Roma. Desse discurso (Amor e Morte), escolhemos alguns trechos do seu capítulo Paixão e Crime, que diz muito sobre esse criminalista magistral. Em algumas de suas passagens, vê-se claramente que Ferri não desconhecia as provas dos autos, que incriminavam seu constituinte, e, mesmo assim, buscou honrar o mandato recebido no afã de ver reduzida a pena que o júri viria impor a Cienfuegos, à vista da impossibilidade de obter a sua absolvição. Discursa Ferri:




“Quem matou um ser humano, não pode ter direito a aplausos: pode invocar, unicamente, o sentimento humano da piedade e da justiça, que não se distingue da clemência. E é justo que eu implore de vós, para Carlos Cienfuegos, que tem um nome quase fatídico – porque, em espanhol, quer dizer, cem fogos – um julgamento sereno e objetivo, liberto de toda a retórica, quando a realidade humana palpita assim, viva e fremente, diante de nós”.

Depois de ter afirmado que “não há direito de matar”, Ferri faz uma brilhante análise do sentimento que levou Cienfuegos a matar sua amante, dizendo: “O aspecto dos fatos é incontestável. Estamos perante um caso de homicídio, seguido de suicídio frustrado, em seguida ao amplexo de amor, depois da febre e do frenesi que produzem, no momento fugitivo da volúpia, o esquecimento da dor que atormenta, do destino inelutável”.

Vê-se que a tese de Ferri está voltada para o sentimento da paixão, que uniu, antes do crime perpetrado, o homicida e sua vítima: “Não é um homicídio por vingança, e ainda menos por ambição ou por brutal malvadez. É o fato sangrento de amor, pois que o amor e a morte, como dizia Giacomo Leopardi, ‘foram gerados juntos’. Amor e morte nasceram irmãos, e mais do que amor e morte nasceram irmãos amor e crime”.

No Tribunal Criminal de Roma, Ferri não nega, como dissemos que fatos incontestáveis apontam para o crime e para o criminoso, mas lhe cabe buscar as causas que levaram Cienfuegos a matar a mulher que amava, visando mostrar um ser humano que se feriu também com seu ato criminoso. Se não enxerga a absolvição, Ferri luta para que, por clemência, a pena seja reduzida:

“Amor e crime, porque o crime é a aberração da vontade humana, que desce a ofender os direitos de outrem sem causa justa, levada por uma questão de cegueira moral, como quando se mata, simplesmente, para derrubar a vítima, ou por um regresso selvagem à brutalidade primitiva, como quando se mata por vingança, quando se pratica o crime no ardor de vingança, quando não se pratica o crime no ardor de uma paixão que, sem essa aberração, poderia, talvez sem dúvida, ser circundada por uma auréola de simpatia, e até de admiração com o sentimento da honra e com o sentimento do amor, que são, em si mesmos, chamas puras da vida humana, e podem, todavia, no delírio da febre, dirigir a mão que bate, que incendeia e que mata”. Ferri encerra o parágrafo, dizendo: “Amor e crime nasceram gêmeos, inseparáveis como o corpo da sombra”.



Diante de um crime passional com autoria definida em razão das provas constantes dos autos, Ferri busca o único meio de defesa possível, que se subsume na tese de que o ato criminoso foi ditado por um impulso de matar por ciúme, por desequilíbrio emocional, e sem ter havido projeto para o seu cometimento: “Por conseguinte, a tragédia ocorrida em 6 de março, na Pensão Dienesen, é um episódio de amor e crime, é um homicídio de amor e crime, com o suicídio do amante, em que não sabe qual será mais desventurado: se aquela a quem a morte fulminou, ou aquele a quem a morte não quis, e espera, agora, o vosso julgamento”.


REFERÊNCIAS:
FERRI, Enrico, Discursos de Defesa. Tradução de Fernando de Miranda. 4ª ed. Coimbra, Portugal: Armênio Editor, Sucessor, 1981. 


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